Moda
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Do efeito holofote à influência das marcas, como a psicologia social ajuda a decifrar o papel comunicativo da moda

Por Nicole Ferreira

Você já parou para pensar por que escolhemos certas combinações de roupas para sair? Ou por que alguns estilos se tornam tendências sociais, enquanto outros desaparecem sem deixar rastros? A moda é muito mais do que estética. Ela funciona como uma linguagem silenciosa que diz muito sobre quem somos — e o que queremos comunicar ao mundo

E se a moda é uma linguagem, o corpo é o seu meio de expressão mais direto. Como afirma Umberto Eco, psicólogo social, ela só faz sentido dentro de um contexto social. Cada escolha é mais do que uma questão de gostar: é uma forma de se posicionar no mundo. O que vestimos revela quem somos, quem queremos ser e a qual grupo pertencemos.

Essa ideia se conecta ao conceito de self, um dos pilares da psicologia social. O self é formado pela nossa autoconsciência, pelas relações que construímos e pelos papéis que ocupamos na sociedade. Assim, nossas roupas contam uma história pessoal, mas também coletiva: revelam como queremos ser vistos e com quem queremos parecer. Se vestir se torna, então, um ato estratégico. Dois conceitos ajudam a entender isso: o efeito holofote e o gerenciamento de impressão. O primeiro é a sensação de que estamos sempre sendo observados. Já o segundo trata de como moldamos nossa imagem para causar determinadas impressões em diferentes contextos. Nossos gestos, palavras e roupas fazem parte de um mesmo sistema de comunicação. Um visual ousado pode transmitir autoconfiança; um estilo mais neutro pode sugerir discrição. A moda, nesse jogo, vira uma ferramenta de gestão de identidade: nos ajuda pertencer, destacar ou proteger

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Nem sempre o que acreditamos é o que praticamos. A psicologia social diferencia atitude (opinião ou sentimento) de comportamento (ação concreta). Pessoas podem defender o consumo consciente, mas ainda assim comprar de marcas de fast fashion.

Por quê isso acontece?

Segundo a Teoria do comportamento planejado, do psicólogo social Icek Ajzen, nossas escolhas dependem de três fatores: o que pensamos sobre a ação, a influência social ao nosso redor e o quanto sentimos que temos controle sobre a decisão. Ou seja, não escolhemos sozinhos. O desejo de pertencimento pesa muito. Os grupos que frequentamos, reais ou virtuais, influenciam nossas escolhas estéticas. E as marcas se tornam peças-chaves nesse processo. Elas não vendem apenas roupas, mas oferecem símbolos de identidade, status e emoção. Vestir uma marca pode ser um gesto de comunicar afirmação, aceitação ou destaque em um mesmo contexto, explicando por que certos estilos “pegam” em determinados públicos: há uma padronização afetiva, influenciada pelas normas, valores e desejos compartilhados. Isso vale para a cultura: ainda que algumas emoções sejam universais, como alegria ou medo, o modo como nos vestimos para expressá-las varia culturalmente, refletindo crenças, tradições e identidades socais.

Pode parecer bem distante da realidade da indústria, mas existem ferramentas que aproximam esse conhecimento da prática, como o eye tracking, técnica de rastreamento que permite identificar exatamente onde o olhar do consumidor se fixa ao observar uma peça de roupa ou uma vitrine. Em vez de se basear apenas no que o público diz, os designers podem entender o que realmente chama atenção — e, assim, alinhar melhor seus produtos aos desejos (conscientes ou não) dos consumidores. Em tempos de excesso de estímulos visuais, essa escuta atenta ao comportamento real se torna um grande diferencial estratégico.

No fim das contas, a moda é um espelho, mas não apenas do indivíduo, e sim da sociedade em que ele está inserido. O que vestimos não é só resultado de um gosto pessoal, mas uma construção coletiva que envolve emoções, cultura, pertencimento e, cada vez mais, ciência. Entender como nossas escolhas de estilo se conectam a processos sociais e psicológicos é um passo importante para enxergar a moda além da superfície. Afinal, se o corpo é uma mídia, cada look é uma mensagem. E cabe você decidir o que quer comunicar.